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segunda-feira, 29 de julho de 2013

O VALENTE SOLDADO DE CHUMBO - Nicéas Romeo Zanchett

O VALENTE SOLDADO DE CHUMBO 
Adapatão de Contos Antigos 
Nicéas Romeo Zanchett 
                      Eram uma vez vinte e cinco soldados de chumbo, todos irmãos, por todos terem nascido da mesma fôrma.  De espingarda no ombro, olhar fixo, atitude marcial e ricos uniformes azuis e vermelhos. 
                       Viviam todos dentro de uma caixa preparada para presente.
                      A primeira coisa que ouviram no mundo, quando se levantou a tampa da caixa foi um grito dado por um menino, batendo palmas de alegria: 
                      - Olha, soldados de chumbo! 
                      Alguém tinha lhe dado de presente no dia de seu aniversário. Imediatamente, tirou-os da caixa e os colocou em formação militar sobre a mesa. Todos eles se pareciam uns com os outros, exceto um, que não tinha uma das pernas; a razão é simplesmente porque na hora em que foram fabricados faltou chumbo na última fornada. Apesar desse defeito, ficava em pé da mesma forma que os outros. 
                       Sobre a mesa em que foram enfileirados, como verdadeiros militares, havia muitos outros brinquedos; mas o mais bonito de todos era um lindíssimo castelo de papel. Pelas suas pequeninas janelas, podia se ver o interior dos salões. Em toda a sua volta havia uma bela floresta em miniatura, que se refletia poeticamente num pedaço de espelho que tinha a função de ser um lago, onde nadavam pequenos cisnes de cera. Tudo era muito encantador, mas não tanto quanto uma menina que estava à portas do castelo, e que também era de papel e estava vestida de caçadora; um vestido muito lindo, apertado e com cinto de fivela azul. A menina tinha os braços arqueados e uma perna levantada para o alto, porque era dançarina. O soldadinho de chumbo que tinha apenas uma perna, estava numa posição que não a podia ver direito e pensou que ela também tinha esse defeito. 
                     - Ali está a mulher que me convém, pensou ele, mas trata-se de uma grande fidalga; mora num palácio e eu numa simples caixa de papelão em companhia de vinte e quatro irmãos e, como a caixa é pequena,  não haveria um lugarzinho para ela. De qualquer forma, tenho que conhecê-la, quem sabe podemos ao menos ser amigos? 
                         E pensando assim, deitou-se atrás de uma caixa de tabaco, de onde podia ver melhor a sua encantadora dançarina, que sempre se mantinha num único pé e sem perder o equilíbrio. 
                        Quando a noite chegou, todos os soldadinhos foram deixados na caixa sobre a mesa e as pessoas foram dormir. Tão logo os brinquedos, que também estavam sobre a mesa,  perceberam isto, começaram a divertir-se; brincaram de esconde-esconde, de guerra e até fizeram um baile.
                        Os soldadinhos de chumbo também queriam brincar, mas estavam presos na caixa, onde só podiam mexer-se e remexer-se. Ficaram pensando como poderiam sair para participar das brincadeiras. De repente, o bailarino quebra-nozes começou a dar cabriolas e saltos mortais; o lápis traçou mil arabescos fantásticos numa lousa. Enfim, o barulho se tornou tão forte que o canário acabou acordando e pôs-se a cantar.  Os únicos que estavam quietos eram o soldadinho de chumbo e a dançarina, ela no bico do pé e ele numa perna só a espreitá-la. 
                       Deu meia noite, e zás! a tampa de uma caixa de tabaco levantou-se, e em vez de tabaco saiu um feiticeirinho preto. Era um brinquedo de surpresa. 
                       - Soldado de chumbo, disse o feiticeiro, não fique olhando a minha musa, trata de olhar para outro lugar.
                       Mas o soldadinho fez de conta que não ouviu. 
                       - AH, não me obedeces? então espera até amanhã e verás  o que te acontecerá, continuou o feiticeiro. 
                       No dia seguinte, quando as crianças se levantaram, puseram o soldadinho de chumbo na janela, mas, de repente, por causa do vento ou por alguma magia do feiticeiro,  caiu à rua de cabeça para baixo. Que tombo! Ficou com a perna  virada para o ar, o peso do corpo todo sobre a cabeça e com a baioneta da espingarda enterrada num vão entre duas lajes. 
                       As crianças chamaram a empregada para ir procurá-lo e resgatá-lo; mas, enquanto procurava, quase o esmagou sem, no entanto,  o encontrar. Se o soldadinho tivesse gritado, ela o teria encontrado, mas ele julgou que isso seria demonstrar medo e desonrar a farda. 
                       De repente começou chover muito, tornando-se num verdadeiro dilúvio. Quando a chuva acabou, eis que passavam por ali dois garotos, muito espertos.
                       - Ola aqui!, disse um deles, um soldado de chumbo  por aqui? vamos fazê-lo navegar.
                       Pegaram um pedaço de jornal velho e construiram um barquinho onde puseram o soldadinho de chumbo, e em seguida puseram-no na correnteza que se havia formado. Os dois garotos corriam ao lado, e com gritos de prazer: 


                       - Que ondas! Santo Deus! Que correnteza forte!
                       Tinha chovido tanto que havia formado um forte rio. O barco jogava de um lado para outro, de maneira horrorosa, mas o soldadinho de chumbo continuava firme, impassível, com os olhos fixos e a espingardinha no ombro. 
                        De repente o barquinho de papel foi levado para uma tubulação, onde a escuridão era tão grande como na caixa de soldados à noite. 
                        - Onde irei parar? pensou ele. Só pode ter sido coisa daquele feiticeiro malvado. 
                        E lá ia navegando sem destino. Mas, de repente, deu de cara com um enorme rato de água; era um habitante daquele tubo de esgoto. 

                        - Quero ver seu passaporte, disse-lhe o ratão. 
                        Mas o soldadinho não respondeu, e agarrou-se com mais força na sua espingarda. O barquinho continuava seu caminho, e o ratão passou a persegui-lo,  gritando e xingando a todos: 
                       - Alguém faça-o parar! não pagou a passagem e nem mostrou seu passaporte, façam-no parar!
                       Mas a corrente estava cada vez mais forte, o soldadinho já via a luz do dia, e, ao mesmo tempo, ouvia um barulho ensurdecedor, capaz de assustar o soldado mais valente do exército. É que havia, na extremidade do cano, um queda d'água, tão perigosa para ele como é uma cachoeira para nós. 
                        Aproximava-se dela cada vez mais, sem poder sustentar-se em alguma coisa como uma raiz, ou algo assim. De repente, o barquinho lançou-se sobre a queda d'água. O pobre soldadinho segurava-se o mais que podia; mas uma coisa ninguém pode negar, mesmo diante do maior perigo, ele sempre se mostrou corajoso. 

                         O barco, depois de ter andado rodando por muito tempo, acabou cheio de água; estava a ponto de naufragar; a água já chegava ao pescoço do soldadinho, e o barco afundava-se cada vez mais. Finalmente o papel desdobrou-se, e a água passou por cima da cabeça do nosso herói. Nesse momento supremo, pensou na sua admirada dançarina, e pareceu ouvir uma voz que dizia: 

                       - Soldado!, o perigo é enorme! a morte o espera!
                       O papel do barquinho rasgou-se e o soldadinho passou através dele. Nesse momento foi devorado por um grande peixe. 
                        Lá é que era escuro, ainda mais que dentro do cano.  E além disso, estava numa situação desesperadora. Mas, sempre corajoso, o soldadinho estendeu-se ao comprido, e sempre com a espingardinha no ombro.
                        O peixe dava saltos de meter medo; mexia, se remexia, até que enfim parou. De repente, apareceu a luz do dia, e alguém exclamou: 
                        - Olha! um soldadinho de chumbo!
                        O peixe tinha sido pescado, exposto na praça, vendido, levado para a cozinha, e a cozinheira o tinha aberto com uma enorme faca. Pegou no soldadinho de chumbo com os dois dedos, e levou-o para a sala, onde todos ficaram a admirá-lo, pois tinha viajado muito na barriga de um peixe. No entanto, o soldadinho não se sentia orgulhoso por isso. Depois que todos o examinaram, a empregada colocou-o em cima da mesa e, por incrível que pareça, era a mesa da sala de onde tinha caído para a rua.
                        Já recuperado de todo o susto e a aventura que tivera, olhou em sua volta e reconheceu tudo. Os brinquedos estavam em cima da mesa, também ali estavam o lindo palácio e a sua bela dançarina, que continuava com a perninha virada para cima. 
                        O soldadinho ficou tão comovido que, se pudesse, teria chorado lágrimas de chumbo; mas isso não era decente para um militar honrado como ele. Olhou para ela e ela também olhou para ele, mas não se disseram nada. Ela já estava feliz e imaginando muitas coisas. 
                        Mas, de repente, um dos garotos pegou nele e, sem nenhum motivo, colocou-o deitado  no fogão; eram obra do feiticeiro da caixa de tabaco, pensou ele.
                        Lá estava o soldadinho de chumbo, iluminado por um terrível clarão e sentindo um calor enorme. A essa altura, todas suas cores já tinham desaparecido, sem que se pudesse dizer que era por suas viagens inesperadas ou por causa dos seus desgostos. Mas ele continuava a olhar para a dançarina, que também olhava para ele. Sentia-se derretendo, mas sempre corajoso, conservava a espingarda no ombro em atitude marcial. 
                       De repente abriu-se uma porta, por ela entrou um forte vento que arremessou a dançarina ao fogão para junto do soldadinho, e logo apareceu nomeio das labaredas. Naquele momento o soldadinho de chumbo já não era mais que uma simples massa  sem forma. 
                       No dia seguinte, quando a empregada foi limpar o fogão, encontrou um pequeno coração de chumbo e junto dele uma fivela que era do cinto azul da dançarina. 
                       E assim, depois de viverem tão próximos sem nunca terem trocado uma única palavra, morreram juntos e juntos voltaram para enfeitar a casa; desta vez foram colocados nos aposentos da empregada, que os tratava com todo o cuidado e carinho. 

Nicéas Romeo Zanchett 
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